quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O QUE SÃO GLIDES

O que são glides
Introdução
Este trabalho apresenta reflexões sobre o status dos glides no inventário fonêmico do português, tomando como ponto de partida algumas discussões apresentadas por Mattoso Câmara Jr. (1970), Callou; Leite (2000), Cristófaro (2007), Chitoran; Nevis (2007), lingüistas entre os quais há posições teóricas conflitantes quanto ao enquadramento desses elementos fonológicos do português: vogais ou consoantes?
1 - O que são glides
O termo glide, tomado de empréstimo a fonética inglesa, designa os fonemas tradicionalmente chamados, e com uma grande imprecisão, semiconsoantes ou semivogais. Esses fonemas, como [j] de [serju] 'serio', o [w] de [agwa]¹ 'água', constituem uma classe de fonemas como as consoantes e as vogais, caracterizados pelo fato de que não são nem vocálicos nem consonânticos. (DUBOIS. et all, 1993, p 308)
Na lingüística moderna, emprega-se amiúde o termo de soante para designar um tipo de consoante que apresentam o grau de obstáculo mais fraco (nasais, liquidas, vibrantes e glides) e se aproximam das vogais, por oposição as fricativas e as oclusivas chamadas assoantes, que se realizam acusticamente como ruídos. (DUBOIS. et all, 1993, p 561)
2 - Os glides devem ser considerados como vogais ou consoantes?
Há algumas opiniões conflitantes a respeito dos glides no inventário fonêmico do português. Esses elementos fônicos caracterizam-se por serem tratados como semivogais e semiconsoantes, fato esse que faz com que haja divergências no seu tratamento. Assim alguns autores tratam-os como consoantes e outros como vogais. Se considerá-los como consoantes tem-se um inventário fonêmico mais amplo, pois ocorrerá a adição de duas consoantes à tabela fonêmica, a saber, /y/ e /w/. Essa adição dos glides como consoantes afeta a constituição da sílaba, pois em palavras como "pau" /paw/ e "pai" /pay/ teremoso que é chamado de sílaba travada (CVC), assim como ocorre na palavra "paz" /paS/. No entanto, se considerarmos os glides como vogais,tem-se um sistema fonotático (estrutura das sílabas) mais complexo, pois se adicionará o padrão CVV.
A decisão acerca da natureza (vocálica ou consonantal) desses elementos fônicos não é, toda via, algo tão simples. Não devemos prestar atenção apenas à complexidade que se tem no inventário fonêmico ou no sistema fonotático do português. Deve-se aprofundar a discussão e considerar o ambiente onde eles ocorrem e também verificar se podem diferenciar palavras em português, produzindo a chamada diferença fonológica.Os autores que defendem que os glides devem ser considerados como vogais afirmam, como Mattoso Câmara Junior (1970), que, após sílabas travadas (CVC), a tendência é vir o "R forte" como em /iSRa'ɛl/ "Israel" e /'ʒeNRo/"genro", porém não é isso que ocorre em exemplos como "Laura","beira", "touro", "couro", entre outros. Um exemplo contraditório a esses é a palavra "bairro" e suas formas derivadas como "bairrista" (cf. CRISTÓFARO, 2007). Mas a palavra "bairro" e suas formas derivadas não devem ser levadas em conta, pois, a rigor, são ''mal formadas'' em português, ou seja: não obedecem os padrões silábicos. Em face disso, sua divisão silábica ficaria comprometida: se dois "erres" não podem ficar juntos, a única saída será "bair-ro", produzindo um padrão silábico não "cadastrado" no sistema (consoante+vogal+semivogal+consoante)², exceto em palavras no plural cuja coda silábica seja o "s", como exemplo temos a palavra " lençol" cujo plural é "lençóis" a qual a divisão silábica é len + çóis onde a segunda sílaba é do tipo consoante + vogal + semivogal + consoante.
Há uma diferença de extrema importância para que possamos tomar uma posição a respeito dos glides. O /y/ e o /i/ diferenciam palavras (signos lingüísticos) na língua portuguesa, como por exemplo na palavra "sai" /say/ e "saí" /sai/, onde há, além da diferença entre um ditongo e um hiato, há também distinções temporais (presente x passado) e de pessoa (ele x eu) respectivamente. Por isso podemos afirmar que os glides distinguem palavras no português, então devem ser considerados como fonemas.
As vogais são produzidas com o estreitamento da cavidade oral a aproximação do corpo da língua e do palato sem que haja fricção de ar. As vogais se opõem as consoantes por 1) serem acusticamente sons periódicos complexos; 2) constituírem o núcleo de sílabas e sobre elas poder incidir o acento de tom e/ou intensidade. (CALLOU; LEITE, 2000, p 26)
Um glide nunca é o centro de uma sílaba e, conseqüentemente, ele nunca receberá acento. Para formar uma sílaba perfeita em português, as consoante necessitam de que haja
uma vogal com elas. Assim como as consoantes, os glides sempre ocorrem antes ou depois de uma vogal (nos ditongos crescentes e decrescentes, respectivamente) ou então antes e depois, como no caso dos tritongos. Para comprovar isso temos as palavras /tɾaNS'pɔRte/"transporte" cuja divisão silábica é trans + por + te, onde a primeira sílaba, assim como no monossílabo ''quais'', é do padrão CCVCC.
Conclusão
Os sons da língua só são considerados fonemas porquedistinguem palavras. Caso um som não seja distintivo, ele é considerado um fone. Pelo fato de distinguir palavras em português (além de diferenciar ditongo de hiato), os glides devem ser considerados como fonemas no inventário fonêmico do português e acrescentados à tabela fonêmica e, em face dos argumentos apresentados ao longo desta breve exposição – pelo ambiente onde acorrem, por nunca serem o centro da sílaba e sempre "soarem junto" (com + soar), comoas consoantes -, os glides devem ser classificados como consoantes (e não com vogais).
Notas de rodapé
¹Neste trabalho adotei os símbolos /y/ e /w/ para designar os glides em português.
²O item ''divisão silábica'' tem sido amplamente ''explorado'' nas séries iniciais do ensino fundamental como algo pertinente à escrita, de que deveriam dúvidas freqüentes. Há palavras cuja divisão não é pacífica, seja porque há realizações fonéticas ("pronúncias'') diferentes para elas (sem acarretar distinção lingüística, fonológica), seja por se tratar de vocábulos de origem diversa ao latim, cujas estruturas silábicas inexistem (oficialmente) em português (como é o caso de "bairro''), seja porque se toma como base a escrita (o sistema ortográfico do português não contém as letras "y'' e "w'' para grafar as semivogais) para regular variabilidades orais, quando a divisão silábica é um fato da ordem dos sons e fonemas. (cf. MATTOSO CÂMARA JR., 1985; SILVEIRA, 1986).
Referências bibliográficas
CALLOU, Dinah; LEITE, Yonne. Iniciação à fonética e à fonologia. 7. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000
CHITORAN, Ioana; NEVIS, Andrew. Toward a phonetic and phonological typology of glides. disponivel em: www.fas.harvard.edu/~lingdept/glides/.acesso em 26/09/2007.
DUBOIS, Jean. et all. Dicionário de lingüística. trad. Izidoro Blikstein. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.
GLIDES. disponivel em: www.umanitoba.ca/faculties/arts/linguistics/russell/138/sec3/glides.htm.acesso em 26/09/2007.
GLIDES AND SEMIVOWEL. disponível em: en.wikipedia.org/wiki/semivowel.acesso em 26/09/2007.
MATTOSO CÂMARA JR, Joaquim. Para o estudo da fonêmica portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão Livraria Editora Ltda., 1970.
_______.História e estrutura da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Padrão Livraria Editora Ltda., 1985.
SILVA, Thais Cristófaro. Fonética e fonologia do português. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2007
SILVEIRA, Regina C. Pagliuchi. Estudos de fonologia portuguesa. São Paulo: Cortez, 1986.

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