quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O PAPEL DO PROFESSOR NA FORMAÇÃO DE BONS LEITORES

O papel do professor na formação de bons leitores
Vicente Martins

O principal desafio dos governos, estabelecimentos de ensino e docentes, no meio escolar, é o de levar o aluno ao aprendizado da leitura, escrita e cálculo.
O que deveria ser básico no processo ensino-aprendizagem se tornou um desafio aparentemente complexo para os educadores do século XXI: assegurar ao educando a aprendizagem escolar.
Por que o domínio básico de lectoescrita se tornou tão desafiador para o sistema de ensino escolar? Por que ensinar a ler não é tão simples? Como desvelar o enigma do acesso ao código escrito?
Em geral, quando nos deparamos com as dificuldades de leitura ou de acesso ao código escrito, esperamos dos especialistas métodos compensatórios para sanar a dificuldade. O fracasso do ensino escolar, no entanto, não é obra exclusiva da metodologia. Muitos são os fatores que favorecem o fracasso escolar.
Nenhuma dificuldade se vence com método mirabolante. O melhor caminho, no caso da leitura, é o entendimento lingüístico, por parte dos docentes e discentes, do fenômeno lingüístico que subjaz ao ato de ler. Ler é uma habilidade lingüística e traz, por isso, todas as vicissitudes da linguagem verbal.
Ler é, ao primeiro momento, um ato de soletrar, de decodificar fonemas representados nas letras; reconhecer as palavras, atribuir-lhes significados ou sentidos; enfim, ler, realmente, não é tão simples como julgam alguns leigos. Ler é uma habilidade das mais complexas no âmbito da linguagem Qual, então, o papel do professor na formação de bons leitores? Que passos devem levar a efeito no exercício da leitura.
O primeiro passo, nessa direção, é de o professor ensinar o aluno a aprender a ler antes para, em seguida, praticar estratégias de leitura. Em outras palavras, o docente deve atuar eficientemente diante das dificuldades do acesso ao código escrito, as chamadas dificuldades leitoras ou dislexias pedagógicas.
Quero dizer o seguinte: é papel do professor ensinar o aluno a aprender mais sobre os sons da língua, ou melhor, revelar-lhe como a língua se organiza no âmbito da fala ou da escrita.
Quando me refiro à fala, estou me afirmando, de alguma modo, que é imprescindível tomá-la como ponto de partida para o estudo dos sons da fala, dos fonemas da língua: consoantes, vogais e semivogais.
As dificuldades de leitura, em particular, têm sua problemática agravada por conta da má sistematização, em sala de aula, do estudo dos sons da fala, em geral, mal orientado por pedagogia ou metodologia de plantão: afinal, qual o melhor método de leitura? O fônico ou o global? Como transformar a leitura em uma habilidade estratégica para o desenvolvimento da capacidade de aprender e de aprendizagem do aluno?
Assim, um ponto inicial a considerar é a perspectiva que temos de leitura no âmbito escolar. Como lingüística, acredito que a perspectiva psicolingüística responde a série de questionamentos sobre o fracasso da leitura na educação básica.
A alma e o papel, o pensamento e a linguagem, a fala e a memória, todos esses componentes têm um papel extraordinário na formação para o leitor proficiente.
Em geral, os docentes não partem, desde o primeiro instante de processo de alfabetização escolar, da fala. A fala recebe uma desprezo tremendo da escola e é fácil compreender o porquê: a escrita é marcador de ascensão social ou de emergência de classe social.
A escrita é ideologicamente apontada como sendo superior a fala. A tal ponto podemos considerar essa visão reducionista da linguagem, que quem sabe falar, mas não sabe escrever, na variação culta ou padrão de sua língua, não tem lugar ao sol, não tem reconhecimento de suas potencialidades lingüísticas. Claro, a escrita não é superior à fala nem a fala superior à escrita. Ambas, importantes e interdependentes.
As crianças, falantes nativas de sua língua, chegam à escola para ler, mas primeiro escrevem para ler, lêem para escrever. É como se a escola invertesse a lógica da língua natural que, antes de tudo, tem sua âncora na fala. O caminho, mais adequado ao ensino eficaz da língua materna, é pensarmos em método que parta da fala, ou seja, garantirmos a fala para a habilidade leitora: deve-se, pois, dar liberdade de falar para garantir uma leitura fluente. Quem não adquire confiança no seu ato de falar, como pode ter fluência ou velocidade no seu ato de ler?
Uma pedagogia da lectoescrita, tradicional, tradicionalista e centrada no professor e no ensino, denuncia que, no meio escolar, os professores ditam palavras, frases e pequenas orações e as crianças, como escribas, escrevem, escrevem e se tornam copistas. Se pensarmos em método, eis aqui um flagrante fracasso pedagógico com a imposição de tal procedimento: a escrita realmente é ponto de chegada e não de saída no ensino lectoescritor de leitura, escrita e cálculo.
Certo é que a escola abafa a fala, manancial importantíssimo na formação para leitura e para a expressão oral. A escola paga um preço alto por tal atitude: as crianças deixam de aprender a ler, a escrever e a grafar corretamente as palavras na língua padrão culta. A escola gera o seu próprio fracasso.
No final de oito anos de ensino fundamental, encontrar crianças inibidas, acanhadas nos corredores, não tenhamos dúvida, vem muito da interdição da fala, e, conseqüentemente do corpo e da alma. A fala é expressão de nossa alma, do nosso sentimento ou pensamento. Nós somos a expressão da nossa fala.
A escola insistir em partir da escrita, a ortográfica, e despreza um componente importante na compreensão da linguagem, que é fala, ou mais precisamente os sons da fala, os fonemas da língua materna.
Aos três anos de idade, na educação infantil, as crianças já são nativas de sua língua e sabem muito da organização da língua materna, de sua regularidade, de sua estrutura e signos e significados que expressam no cotidiano, a partir da sua própria fala espontânea.
A escola desconhece essa informação que qualquer manual de psicológica da criança ensina: a fala é ponto de partida do ensino da língua. Qualquer dúvida sobre essa hipótese, pode se pôr à prova através de uma simples observação direta das crianças, sem maiores rigorosos abstratos: realmente partir da fala faz com que a criança perceba que traz consigo um rico manancial de informações preciosas sobre a linguagem verbal escrita.
A fala na educação infantil é rico laboratório para os docentes. Por ela, desenvolve-se na criança a percepção auditiva, fundamental para o ensino da leitura. Ensinar a perceber o mundo, forma de fazer leitura do seu cotidiano, é mais importante do que memorizar formas lingüísticas, das regras do bem dizer. A verdadeira teoria da linguagem vem do olhar, da observação. Olhar para o mundo, suas circunstâncias, é uma forma de apreende-lo de forma sistemática e inspiradora.
É mais fácil uma criança guardar na memória aquilo que apreende com a percepção do que aquilo que aprende com imposições de deveres, regras ou tarefas escolares. A escola, infelizmente, não percebeu a validade dessa informação didática. A escola, precisa, urgente, revelar suas metodologias, suas partes na direção de um aprendizado eficaz da lectoescrita (leitura, escrita e cálculo).
As relações entre linguagem oral e escrita são, na verdade, o primeiro passo para o trabalho eficaz, no ambiente escolar, a título de aquisição e desenvolvimento da leitura.
O que é a escrita senão o espaço material, objetivo, concreto, real, visível de expressão e representação da fala, da linguagem oral? Minha pergunta, na verdade tem uma resposta contumaz: a escrita busca no reino da fala a sua expressão material.
As crianças, desde cedo, devem perceber que há uma relação muito estreita entre fala e escrita.
A escrita é o esforço cultural e civilizatório do homem de representar, através de sua percepção visual, os sons da fala, da sua expressão oral. A alfabetização não vem apenas do olhar, mas da escuta ativa dos sons da fala.
A boa alfabetização não viria, pois, a rigor, nem se justificaria mesmo, com o uso, em sala de aula, de cartilhas de ABC, mas com a valorização, no interior da escola, da expressão oral: isto é, defendo aqui que a alfabetização escolar se dê inicialmente com os sons da fala, uma alfabetização fonológica, para, em seguida, transformar-se em alfabetização ortográfica. A fala precede a escrita na vida e na escola, quer queiramos ou não. É um fato lingüístico, mas nem por indução, é lógica para escola e para muitos educadores.
O segundo ponto que considero importante é a formação para
consciência fonológica e o domínio das habilidades metafonológicas para o desenvolvimento da leitura fluente.
A consciência fonológica vem com o ensino formal e sistemático da correspondência entre letras e fonemas da língua. Existem mais sons da fala do que letras para representa-los, Daí, a correspondência entre letras e fonemas não ser unívoca, mas equívoca.
Por exemplo, o som /a/ é, em boa parte, na escrita, representado
pela letra “a”. O som /b/ (leia-se bê) é representado na escrita pela letra b. Mas, a letra “c” pode representar o som /s/ (leia-se sê) ou o som /k/ (leia-se cá), dependendo do ambiente fonológica. Em casa, a letra “c” representa o som /k/, mas em cebola, a letra “c” representa o som /s/. Ora, isso, sim, que precisa ser bem ministrado pelos docentes e não pode ser ensinado, outrossim, por qualquer pessoa, por uma pessoa sem habilitação e, a rigor, é uma rigor exclusiva para um pedagoga com formação lingüística ou para um lingüista com formação pedagógica. Quem pretende ser alfabetizador ou alfabetizadora devem conhecer a fonologia da língua materna, especialmente os fonemas consonantais.
Quando as crianças, na faixa de 3 a 6 anos de idade, aprendem os fonemas da língua são levadas, no ensino fundamental, já entre 7 a 14 anos de idade, à consciência fonológica e às habilidades fonológicas. Por exemplo, saber quantas letras e fonemas possui uma palavra, discrimina-las uma a uma, ou fazer sua divisão silábica revela muito da capacidade fonológica da criança.
Quem adquire, na idade própria, a consciência dos sons da fala pode relacionar esta habilidade lingüística com a aprendizagem da leitura nos anos subseqüentes. O que é ler um texto senão decantar os sons da fala ali, em enigma, na escrita ortográfica?
O trabalho com a consciência fonológica favorece ao ensino da ortográfica. O que é a ortografia senão uma representação, na escrita, dos sons da fala? Portanto, ler ajuda na consciência ortográfica. Grafar bem as palavras ajuda no ato de ler com proficiência.
Por que a escola não alcança essa consciência da língua e de sua estreita relação com suas habilidades lingüísticas (leitura, escrita, escuta e fala)?

Vicente Martins é professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú(UVA), de Sobral,

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